domingo, 3 de agosto de 2014

O prato do dia e da noite

01/08/2014                                            

          Não sou mestre de culinária nem sei enfeitar a travessa, apenas ando de olho na ementa dos cozinheiros da nação, para não comer gato por lebre acompanhado da sobremesa que diariamente é propagada pela comunicação anti-social ao serviço do dono, magistralmente pintada no quadro de Paula rego, “Salazar a vomitar a Pátria”.
          A ousadia de citar a artista e sua colorida obra, num quadro tão negro e deprimente como o que vivemos, obriga-me a pedir desculpa pela ignorância de quem não sabe distinguir o mural “Guernica” de um anjo Gabriel pintado na tabuleta de uma campa do cemitério paroquial, porem foi a melhor descrição que encontrei para descrever o prato que ainda continuamos a consumir com prazo de validade avariado.
          Muitos parasitas da culinária informativa, politica e financeira, formam um triângulo que nunca se movimenta por impulsos de liberdade, igualdade e fraternidade. De vez enquanto descem ao rés-do-chão, com o objetivo de manter o povo desunido que mais facilmente será vencido, criando intrigas entre pais e filhos, avós e netos, maridos e esposas, funcionários públicos e privados, aplicando a tradicional cartilha de dividir para melhor reinar, aumentando assim o pelotão dos dependentes do rendimento de dignidade mínima, e reforçando o batalhão do rendimento eleitoral máximo, transformando a nossa sopa dos pobres imprópria para consumo humano.
          Há tempos atrás, no turno diurno à luz do dia, o (PS) “Piquete de Salvação” aterrou aflito com notável falta de ar em socorro do (BCP) “Bom Comércio Partidário”, disponibilizando para a intervenção o trio “Ferreira, Vara e Amado”, (FVA) “Fraco Valor Acrescentado” assim denominados depois de concluída a operação.
          Agora no turno noturno pela calada da noite à luz da EDP, com idêntica prontidão e igual aflição respiratória, aterrou o (PSD) “Piquete de Salvação Destemida”, em socorro da (sagrada) família (BES) “Benemérita Esperança Sagrada” disponibilizando para a operação a brigada de serviço (BRM) “Bento, Rato e Mota”.
          Mota, destacado quadro ativo do piquete de intervenção, e ilustre deputado da nação com responsabilidades nos serviços de informação do estado, foi sacrificado com o cargo de Presidente do Conselho Estratégico e “Chairman”, um género de sentinela da caserna para vigiar o paiol das munições.
          Rato, que ainda hoje não sabemos por qual buraco terá entrado, depois de uns tempos a estagiar no ministério das finanças a roer a dívida pública que vem-Deu ao novo patrão, para na melhor ocasião devolver às origens com juros e língua de três palmos.
          Bento, ilustríssimo economista e conselheiro de estado, amigo do amigo Cavaco e reserva especial de Coelho, previamente engarrafada para servir nestas grandes ocasiões depois de esgotado o meio-seco Gaspar e a seca Maria Albuquerque. Enfim, tudo gente refinada da alta finança, selecionada (nos viveiros geniais) entre dez milhões de almas ingénuas, e orgulhosas de mais uma peregrinação ao campo santo onde jaz o (BPN), “Bom Povo Nacional” para rezar-lhe pela alma.
          Sabemos o sofrimento que passam estes génios (da manigância), para conseguir a chuva no naval e o lugar ao sol na eira o ano todo. Esta malta, quando termina a licenciatura (de preferência ao domingo pela fresquinha) e se apresenta ao mercado de trabalho é escorraçada pelas empresas em geral, restando-lhe apenas a via única do funil para ingressar no penoso caminho do caciquismo paroquial, distrital e nacional, antes de conseguir alcançar a tão desejada selva povoada de “Boys e Vacas”, para aprender o equilíbrio de manter-se encima da árvore com a técnica do macaco que só larga o ramo da mão esquerda quando o da mão direita estiver bem agarrado. Depois de conseguida a lição de equilíbrio na lei da selva, os recém-licenciados “dominicais”, tem agora tacho garantido na pantanosa selva do povo.
          Tudo que vemos, lemos e ouvimos na comunicação anti-social está ao serviço desta cacicada, dos bancos e demais grupos económicos, para intimidar-nos, incriminar-nos e relegar-nos à prateleira da inexistência, criando um ruido de superfície que abafa os verdadeiros problemas de fundo onde vivemos espezinhados, enxovalhados e ainda culpados pela falta de emprego, de salário, e pela desgraça que o país atravessa, acusados de gastar mais de que devemos, e de viver acima das nossas possibilidades, porque fomos ao Jumbo comprar um sofá e um chapéu de palha mexicano na ultima excursão paroquial a Fátima.
          É claro que com estes vícios despesistas, resta-nos emigrar para evitar a penhora do sombrero, do sofá e da casota do boby, fiel companheiro que vai compartilhar a nossa próxima morada debaixo da ponte, longe do conforto do monarca D. Duarte Pio reformado desde o dia em que nasceu, tal como tantos Republicanos que também o são desde o dia que tomaram assento nas cadeiras da assembleia do povo, para servir de cães-de-guarda dos pobrezinhos que de vez enquanto por amnesia aguda, se esquecem em declarar cinco milhões de euros ao IRS.
          No célebre quadro pintado a cores, “Salazar vomita a Pátria”, no quadro pintado a preto e  branco em que vivemos, ainda permanecem as regurgitações de uma pátria Salazarenta, que tal como na altura ainda me obriga a ver e ouvir sempre a mesma porcaria, com notícias e comentários por encomenda, seguidos de entretenimentos primários, enjoativos e fastidiosos de uma culinária mediática que aplica a receita forçada do come-em-casa, enchidos e entalados, entradas e sobremesas, com shows de sanita e concursos de bidé para enfeitar a mesa e disfarçar o sabor do prato único do dia e da noite.
          Finalmente de quem é a culpa? Se analisarmos a coisa desapaixonadamente devemos reconhecer que a culpa é nossa. Chegamos a um tal ponto de decomposição cívica, que só encontraremos comparação em Vítor Frankenstein a criar monstros que não sabemos controlar.
          Foi apenas um sonho. Uma noite de inverno sonhei que o povo me tinha confiado a guarda dos governantes. Aquilo era uma espécie de governantes com comportamento de um rebanho de cabras soltas no meio de um campo de vinha totalmente destruída.
          “Passado alguns dias continuavam a abrir a boca com a mesma facilidade, mas era notório a melhoria e o cuidado com que a fechavam para não trincar a língua. Os governantes que tinham sido eleitos para governar e tentassem servir-se do povo como escadote para saltar para o lado da vida airosa, só tinham duas saídas: voltar para a casa de onde vinham ou passar pela casa do endireita para concertar a meia dúzia de costelas partidas, que era a taxa mínima garantida que se aplicava aos oportunistas e aos aldrabões. Passado um mês a fila de candidatos desapareceu e ninguém queria ser governante, foi necessário decretar (como na tropa) a governação obrigatória onde o recruta-governante tinha de respeitar as tropas e governar a caserna com exemplar dignidade. O tempo passava ao ritmo que o país melhorava. Havia lugar para todos. O dinheiro sobrava, não havia desempregados, esfomeados, maltratados, abandonados, espezinhados, enteados nem aldrabões excomungados. Apenas havia filhos de quem a pátria se orgulhava, protegia e respeitava. As cabras da vinha transformaram-se em governantes, e a vinha das cabras num país de sonho”.
          Abri os olhos, queria voltar a sonhar mas continuei no pesadelo. O país de sonho continua a vinha das cabras, os governantes continuam as cabras da vinha, e o povo continua sem uvas e a beber vinho feito a martelo.