segunda-feira, 17 de novembro de 2014

A virgindade de Pedro & Paulo


                17/11/2014
          O Zé, mais tarde promovido a Zé dos palitos por razões de força maior, abalizado labrego de canga e canzil, só pensou em casar quando a senhora sua mãe faleceu. Sozinho para enfrentar as lides de casa e do campo, decidiu então colocar-se no mercado para o enlace da união de fato e gravata, a fim de colmatar o vazio deixado pela ausência da falecida sua mãe.
          Exigia o Zé, que candidata ao cargo cumprisse alguns requisitos, tal como possuir um dote de alguns terrenos agrícolas, para no ato do enlace poder enlaçar aos seus, e não sendo obrigatória uma auditoria, a virgindade era motivo suficiente para imediata exclusão.
          Para cumprir as exigências de bens imobiliários não faltavam candidatas de bigode para baralhar a malta que nunca sabíamos quem deles era o patrão; a coisa começou a azedar com as outras exigências, é que mesmo com bigode era mais fácil ver o avô-cantigas ganhar a volta à França de que encontrar por ali tão preciosa raridade.
          Desiludido, quase a desistir do negócio, eis que a Solanina, quarta de sete irmãos de quem já ninguém falava, regressou à terra natal trinta anos depois dos “três” que tinha quando foi juntar-se às tias da capital onde foi educada e se fez moça.
          De volta à terra, era presença assídua nas fileiras da frente na missa do dominical, comungava antes de descer até ao fundo da igreja, para depois regressar às fileiras da frente, em passo desancado e lento, digno do desfile Fashion-After-Dark, antes de ler a Epistola com voz suave e meiga que encantava os fieis, para além de agitar as hormonas testosteronicas do Zé dos Palitos que ficou apaixonado e acabou por casar-se.
          Na manhã seguinte à noite de núpcias, a “virgem” acordou viva, prova de terem-se cumprido as formalidades. Passado algum tempo, uma adolescente desembarcou na carreira das sete, apresentando-se como filha de uma prima lisboeta, que vinha passar alguns dias de férias que se transformaram em férias de alguns meses, até o Zé ler na cédula pessoal da visitante que era filha de Solanina e de Pai incógnito, que deixou o labrego a transbordar de felicidade pelo serviço já adiantado, e pelo milagre de sem saber serrar nem cepilhar poder sentir-se também carpinteiro com direito à sua Virgem Solanina.
          O Campanéra, com língua mais afiada que navalha de barbear, jubilava com o regresso da Virgem à terra, rezando Pais-nossos a fio para agradecer ao Criador por tê-la poupado do desastre de o comboio também lhe passar em cima, para felicidade da comunidade masculina e para o normal crescimento dos palitos do Zé.
          A virgem Solanina era como o banco alimentar dos pobres, apetitosa qb para matar a fome e capaz de empalitar um qualquer Zé, tal como as virgens de luxo Pedro e Paulo que usam bancos e pobres para servir banquetes recheados aos ricos, deixando os empalitados a ruminar e a salivar antes de lamber as beiças.
          A filha que desembarcou na carreira das sete, não beliscou a confiança do Zé dos palitos. Os irmãos Tridente e Arpão que emergiram no jornal das oito, não beliscaram a confiança de Paulo. A enteada Tecnoforma e o BES que desembarcaram no noticiário das dez, não beliscaram a confiança de Pedro. O Pedro que cobra cheques antes de enviar os papéis, o Paulo que divide os remanescentes dos gémeos pelos amigos; Os Alemães que condenaram os corruptores, os Gregos que até meteram ex-Ministros corrompidos na cadeia, e por cá, toda a gente recebeu menos eu, e ninguém sabe nem quer saber de nada.
           Pedro, a Virgem que suportou uma década desgastante de violento sacrifício na Assembleia da República, com o mísero salário para suportar despesas de cama e mesa, transportes e roupa lavada, que depois do IRS e TSU quase nada sobrava.
           Paulo, a Virgem que distribuiu mil milhões pelos gémeos e familiares não sabe de nada, nem sabe por que milagre ou pela alma de quem apareceu aquela maquia toda na conta partidária.
           Pedro que pediu 60 mil euros de subsídio de reintegração na atividade de Tenor lírico-dramático de onde foi desintegrado antes de iniciar a missão de porteiro e chave-mestra para abrir todas as portas à Tecno(re)forma em troca de cama e mesa, transportes e roupa lavada, com reforma antecipada via Suíça ou Ilhas Caimão, deixando  para os dos 66 o tempo de morrer e ressuscitar antes de reformar ou emigrar.
           Paulo, o ministro da defesa amnésico que assinou o papel de compra, afirma nunca ter visto o Sr. Hans-Dieter Muhlenbek, mesmo se esse Sr. afirma a pés juntos que estiveram juntos na Fortaleza do Guincho.
          Pedro, o sem-abrigo de profissão e dos 60 mil, que trata de piegas quem pede o mísero subsídio a que tem direito, e leva com a guia de marcha para ir pedir lá fora.
          Paulo, o amnésico que nem lhe passa pela cabeça como foi possível ver os dez arguidos das contrapartidas dos gémeos serem ilibados e mandados de volta para casa.
          Pedro, sem eira-nem-beira, sem bens materiais ou financeiros que não “extriptisa” as contas, que vem de Massamá com o saquinho de plástico da mercearia na mão, para fazer a janta no pré-fabricado alugado para férias, antes de ir passear a família na praia da Manta-Rota com os paparazzi ali por perto para mostrar ao povo a humildade do impoluto e deserdado Pedro.
          Virgens de quem já o comboio desistiu, mereciam destaque na estátua ao lado do Marquês, para lá do alto poderem ver com maior amplitude o andor das Virgens recauchutadas no desfile das marchas do (Santo) António de Lisboa com os marchantes do costume, o Coelho da Mota-Engil e dos Contentores de Alcântara, o Ferro oxidado que mete dó, os Pedrosos das negociatas e derivados, a Roseira podada pelo cobrador de promessas Cesar, e a tristeza do Alegre, sobre o lema do respeito pelo passado quando o futuro seria tê-los no sítio para livrar-se deles.
          Faz lembrar-me a madrugada, depois de uma noite de folga bem passada, quando atravessávamos a rotunda do Marquês e fomos atropelados pela lambreta de um senhor vestido de batina preta. Com as dificuldades linguísticas de quem escorregou a noite toda na garrafa do Johnnie-Walker, olhamos para o cimo da estátua a gritar em coro: “Desce Marquês, que eles já cá andam outra vez”!
          Com estas aparições não será necessária lambreta nem batina preta para ser atropelados. Se os milagres se cumpriram como as promessas com os eleitores de Lisboa e com o camarada de partido, estamos conversados que nem a alma vamos salvar. O outro Seguro morreu de velho, este tentou livrar-se deles e nem tempo teve para envelhecer antes de ser triturado.
          Entre as Solaninas que vão e as Solaninas que vêm, nunca mais saímos da cepa-torta e lá vamos outra vez, cangados a arrastar a tralha do passado, a caminho do futuro, transformados numa manada de Labregos aos pinotes de contentes, enfeitados com raminhos de rosas nos palitos a caminho do matadouro.
          Que delicia este naco de sabedoria popular do Ti Gostinho: “Quem com p(rostit)utas joga o vinte, ou sai pobre ou sai pedinte”. Isto vai acabar à cornada. Não poderei exibir mais a camisola da minha paixão.