terça-feira, 17 de março de 2015

“Baile trágico em Paris:12 mortos”


             16/03/2015

          Poderá o “Charlie Hebdo” ficar chateado com o titulo de mau gosto, mas como é fruto do seu veneno e obra da sua imaginação, terá de ter paciência como outros tiveram há 45 anos, no tempo em que o seu antecessor “L’HEBDO Hara-Kiri” trilhava o sinuoso caminho das piadas, tal como eu e o Faneca trilhávamos o caminho da catequese, para decorar a ladainha de ave-marias-benzidas-a-seco à vergastada nas orelhas, que depois íamos refrescar na água cristalina do rio que passava a escassos metros ali ao lado do penitencial salão paroquial.
          Uma pequena represa do tamanho de meio campo de futebol, onde o Faneca exibia os seus dotes, em salto de parafuso com botas, para mergulhar no rio antes de iniciar o percurso à deriva no sentido da corrente, enquanto eu descalço iniciava o percurso ao repelo em sentido contrário.
          Ainda não tinha avançado meio metro, já o Faneca passava por mim (tal como Deus o deu menos as botas) a navegar em piloto automático, deitado de costas e braços cruzados ao peito em postura de defunto, a deslisar suavemente tocado pela corrente do rio.
          Quando intervalei para respirar, dei pela falta do comodista-navegante, que só depois de uma longa, e minuciosa pesquisa a pente fino pelas cachoeiras, fui encontrar dezenas de metros a jusante, já ao leme em piloto manual, a dar as últimas quase afogado, trancado dentro do cubo do moinho. Percebi então, que a nadar contra a corrente não ia a lado nenhum, a não ser para manter a forma física, e a mente em alerta vermelho de olho focado na tentação das facilidades, para evitar a morte por afogamento trancado no cubo dos moinhos.
          Os habituados nestas “nadanças” contra a corrente, dificilmente se deixam levar pelas enxurradas de hipocrisia do amontoado de figurantes invisíveis na cena, que na mão direita empunham o cartaz “JE SUIS CHARLIE”, e na esquerda “SOU DO BLENENSES”, com a mesma dor e compaixão, ou seja nenhuma, a não ser a tradicional “Maria-vai-com-as-outras”, um dia indignados com a desgraça do “CHARLIE”, e no dia seguinte com a falta de sapatos de marca para meter nos pés dos filhos, marimbando-se copiosamente nos enteados que por esse mundo fora morrem à mingua, que nem pés tem para meter nos sapatos.
          Há muito que andava com a pulga atrás-da-orelha; Hoje tenho a certeza que não sendo “CHARLIE” nem hipócrita, pode ser-se feliz de ainda ter pés para meter nos sapatos de marca branca.
          Os “CHARLOS” que tem necessidade de enxovalhar Deus para mostrar que são gente, são iguais à outra gente que em nome de Deus mata gente. E nós que também somos gente, filhos de Deus abandonados ao Deus-dará no meio da gente que nem liberdade nos dá de viver em paz como gente.
          Um bom cartunista pode ironizar com coisas sérias sem necessidade de ofender os seguidores de outras religiões. Um cartum com Deus a chorar, tem graça e não ofende ninguém, mas se for legendado, (“c’est triste d’etre aime par des cons”(sic) (é triste ser amado por estúpidos), ofende toda uma comunidade religiosa. Terroristas, assassinos, pedófilos, Fanecas e ladrões, vigaristas e cabrões há-os em todos os credos e religiões.
          Quem gosta de escrever nos limites do risco e no fio da navalha, não pode permitir-se de dizer o que pensa sem antes pensar mil vezes naquilo que diz, para não passar o resto da vida arrependido daquilo que disse sem ter pensado melhor. Diz-se, que escrever com algum humor é como fazer um discurso improvisado: Dá imenso trabalho!
          O Papa Francisco, com a simplicidade que o caracteriza, a inteligência e subtileza que só os sábios possuem, simplificou sabiamente a situação do “CHARLIE” com a frase: “se maltratares a minha mãe, levas um murro na cara”. Ou seja “o respeitinho cabe em todo o lugar, e quem não se sente não é filho de boa gente”.
          Para o Charlie Hebdo, os filhos de boa gente com sentimentos, não lhe mereçam respeito. Mesmo antes de o ser, o Charlie Hebdo já era useiro-e-vezeiro neste tipo de provocações.
          Na idade da adolescência, quando nos apaixonamos por “dá-cá-aquela-palha” e nos zangamos com o mundo inteiro, ficamos sempre marcados por recordações que nos acompanham para o resto da vida.
          O “Charlie Hebdo”, reencarnado das cinzas do “Hara-Kiri” é a recordação que não gostaria de guardar no baú das minhas memórias. A recordação que gostaria de guardar, desapareceu no fatídico dia 01 de Novembro de 1970, no incendio da discoteca “Cinq-Sept”, em Saint-Laurent-du-Pont, que ceifou a vida a 146 jovens da minha idade.
          Na altura a generalidade da imprensa Francesa referia-se ao acontecimento: “Bal tragique a Saint-Laorant-du-Pont: 146 morts”, (Baile trágico a Saint-Laurant-do-Pont: 146 mortos).
          Na semana seguinte morreu o General, Charles de Gaulle. Na publicação de 16 de Novembro, o Hara-Kiri para ironizar com a morte do General, chamou para a capa do jornal a macabra tragedia da semana anterior, “Bal tragique a Colombey: 1 mort”, (Baile trágico a Colombey: 1 morto). A França indignada proibiu o Hara-Kiri. Este para contornar a situação ressuscitou das cinzas com o nome do atual “CHARLIE HEBDO”. Andou pelas ruas da amargura até encerrar em 1982, situação que manteve durante dez anos.
          Graças a Deus, nem todos são FANECAS a deslizar na corrente do rio para juntar-se ao meio mundo de “CHARLIE(s)” que reivindicam este tipo de liberdade de expressão. Há muito para satirizar com situações mais terrenas, provocadas pela casta privilegiada de governantes caseiros e estrangeiros, verdadeiros desastre ecológico, mais perigosos que raposas dentro de capoeira, que não nos merecem a mínima réstia de consideração. Deixemos os Deuses em paz ao cuidado dos seus fiéis seguidores.
          Nós, Cristãos não podemos esquecer que ainda somos como pequenos animais recém-domesticados. Não podemos esquecer que durante milénios tratamos mal as nossas mulheres. Pessoas de outras religiões eram mal vistas na nossa sociedade. As portas fechavam-se a casamentos com outras culturas. Não faz assim tanto tempo, que nós cristãos, escravizávamos, torturávamos, chacinávamos e levávamos muitos inocentes às fogueiras cristãs. Fomos obrigados a civilizar-nos à marretada, da mesma forma que acontecerá com outras religiões. Um dia alguém virá dizer-lhe que o tempo das cavernas terminou e que nada justifica tão bárbaros comportamentos.
          O maior dos pecados cristãos, é a vaidade de nos considerarmos os pais do mundo, quando na realidade, nem a certeza temos de ser os pais de ninguém.
          Devemos ficar sempre de olho atento nas democracias ou religiões que passam o ano todo a oferecer-nos céu pouco nublado ou limpo. São preferíveis, as de quatro estações que oferecem calor e frio, chuva e sol, vento forte e até tempestades, para nos tranquilizar que não vivemos em ditaduras assolapadas.
          A fatiota dos aleijados da espinha dorsal, é o habitual look dos Fanecas, mortos vivos empenados da coluna vertebral, que como enguias no rio, vão oscilando na vida segundo a oportunidade para recorrer à mendicidade: “paz às suas almas”. Quando a corrente da vida vencer os usufrutuários da verticalidade, que importa? É preferível passar à história a nadar contra a corrente, que passar a vida de gatas a entupir os cubos dos Moinhos, e a servir de burro de carga, lambuzam-te da farinha no fundo do balde da maquia do moleiro. Não: “JE NE SUIS PAS CHARLIE”.