segunda-feira, 17 de novembro de 2014

A virgindade de Pedro & Paulo


                17/11/2014
          O Zé, mais tarde promovido a Zé dos palitos por razões de força maior, abalizado labrego de canga e canzil, só pensou em casar quando a senhora sua mãe faleceu. Sozinho para enfrentar as lides de casa e do campo, decidiu então colocar-se no mercado para o enlace da união de fato e gravata, a fim de colmatar o vazio deixado pela ausência da falecida sua mãe.
          Exigia o Zé, que candidata ao cargo cumprisse alguns requisitos, tal como possuir um dote de alguns terrenos agrícolas, para no ato do enlace poder enlaçar aos seus, e não sendo obrigatória uma auditoria, a virgindade era motivo suficiente para imediata exclusão.
          Para cumprir as exigências de bens imobiliários não faltavam candidatas de bigode para baralhar a malta que nunca sabíamos quem deles era o patrão; a coisa começou a azedar com as outras exigências, é que mesmo com bigode era mais fácil ver o avô-cantigas ganhar a volta à França de que encontrar por ali tão preciosa raridade.
          Desiludido, quase a desistir do negócio, eis que a Solanina, quarta de sete irmãos de quem já ninguém falava, regressou à terra natal trinta anos depois dos “três” que tinha quando foi juntar-se às tias da capital onde foi educada e se fez moça.
          De volta à terra, era presença assídua nas fileiras da frente na missa do dominical, comungava antes de descer até ao fundo da igreja, para depois regressar às fileiras da frente, em passo desancado e lento, digno do desfile Fashion-After-Dark, antes de ler a Epistola com voz suave e meiga que encantava os fieis, para além de agitar as hormonas testosteronicas do Zé dos Palitos que ficou apaixonado e acabou por casar-se.
          Na manhã seguinte à noite de núpcias, a “virgem” acordou viva, prova de terem-se cumprido as formalidades. Passado algum tempo, uma adolescente desembarcou na carreira das sete, apresentando-se como filha de uma prima lisboeta, que vinha passar alguns dias de férias que se transformaram em férias de alguns meses, até o Zé ler na cédula pessoal da visitante que era filha de Solanina e de Pai incógnito, que deixou o labrego a transbordar de felicidade pelo serviço já adiantado, e pelo milagre de sem saber serrar nem cepilhar poder sentir-se também carpinteiro com direito à sua Virgem Solanina.
          O Campanéra, com língua mais afiada que navalha de barbear, jubilava com o regresso da Virgem à terra, rezando Pais-nossos a fio para agradecer ao Criador por tê-la poupado do desastre de o comboio também lhe passar em cima, para felicidade da comunidade masculina e para o normal crescimento dos palitos do Zé.
          A virgem Solanina era como o banco alimentar dos pobres, apetitosa qb para matar a fome e capaz de empalitar um qualquer Zé, tal como as virgens de luxo Pedro e Paulo que usam bancos e pobres para servir banquetes recheados aos ricos, deixando os empalitados a ruminar e a salivar antes de lamber as beiças.
          A filha que desembarcou na carreira das sete, não beliscou a confiança do Zé dos palitos. Os irmãos Tridente e Arpão que emergiram no jornal das oito, não beliscaram a confiança de Paulo. A enteada Tecnoforma e o BES que desembarcaram no noticiário das dez, não beliscaram a confiança de Pedro. O Pedro que cobra cheques antes de enviar os papéis, o Paulo que divide os remanescentes dos gémeos pelos amigos; Os Alemães que condenaram os corruptores, os Gregos que até meteram ex-Ministros corrompidos na cadeia, e por cá, toda a gente recebeu menos eu, e ninguém sabe nem quer saber de nada.
           Pedro, a Virgem que suportou uma década desgastante de violento sacrifício na Assembleia da República, com o mísero salário para suportar despesas de cama e mesa, transportes e roupa lavada, que depois do IRS e TSU quase nada sobrava.
           Paulo, a Virgem que distribuiu mil milhões pelos gémeos e familiares não sabe de nada, nem sabe por que milagre ou pela alma de quem apareceu aquela maquia toda na conta partidária.
           Pedro que pediu 60 mil euros de subsídio de reintegração na atividade de Tenor lírico-dramático de onde foi desintegrado antes de iniciar a missão de porteiro e chave-mestra para abrir todas as portas à Tecno(re)forma em troca de cama e mesa, transportes e roupa lavada, com reforma antecipada via Suíça ou Ilhas Caimão, deixando  para os dos 66 o tempo de morrer e ressuscitar antes de reformar ou emigrar.
           Paulo, o ministro da defesa amnésico que assinou o papel de compra, afirma nunca ter visto o Sr. Hans-Dieter Muhlenbek, mesmo se esse Sr. afirma a pés juntos que estiveram juntos na Fortaleza do Guincho.
          Pedro, o sem-abrigo de profissão e dos 60 mil, que trata de piegas quem pede o mísero subsídio a que tem direito, e leva com a guia de marcha para ir pedir lá fora.
          Paulo, o amnésico que nem lhe passa pela cabeça como foi possível ver os dez arguidos das contrapartidas dos gémeos serem ilibados e mandados de volta para casa.
          Pedro, sem eira-nem-beira, sem bens materiais ou financeiros que não “extriptisa” as contas, que vem de Massamá com o saquinho de plástico da mercearia na mão, para fazer a janta no pré-fabricado alugado para férias, antes de ir passear a família na praia da Manta-Rota com os paparazzi ali por perto para mostrar ao povo a humildade do impoluto e deserdado Pedro.
          Virgens de quem já o comboio desistiu, mereciam destaque na estátua ao lado do Marquês, para lá do alto poderem ver com maior amplitude o andor das Virgens recauchutadas no desfile das marchas do (Santo) António de Lisboa com os marchantes do costume, o Coelho da Mota-Engil e dos Contentores de Alcântara, o Ferro oxidado que mete dó, os Pedrosos das negociatas e derivados, a Roseira podada pelo cobrador de promessas Cesar, e a tristeza do Alegre, sobre o lema do respeito pelo passado quando o futuro seria tê-los no sítio para livrar-se deles.
          Faz lembrar-me a madrugada, depois de uma noite de folga bem passada, quando atravessávamos a rotunda do Marquês e fomos atropelados pela lambreta de um senhor vestido de batina preta. Com as dificuldades linguísticas de quem escorregou a noite toda na garrafa do Johnnie-Walker, olhamos para o cimo da estátua a gritar em coro: “Desce Marquês, que eles já cá andam outra vez”!
          Com estas aparições não será necessária lambreta nem batina preta para ser atropelados. Se os milagres se cumpriram como as promessas com os eleitores de Lisboa e com o camarada de partido, estamos conversados que nem a alma vamos salvar. O outro Seguro morreu de velho, este tentou livrar-se deles e nem tempo teve para envelhecer antes de ser triturado.
          Entre as Solaninas que vão e as Solaninas que vêm, nunca mais saímos da cepa-torta e lá vamos outra vez, cangados a arrastar a tralha do passado, a caminho do futuro, transformados numa manada de Labregos aos pinotes de contentes, enfeitados com raminhos de rosas nos palitos a caminho do matadouro.
          Que delicia este naco de sabedoria popular do Ti Gostinho: “Quem com p(rostit)utas joga o vinte, ou sai pobre ou sai pedinte”. Isto vai acabar à cornada. Não poderei exibir mais a camisola da minha paixão.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Ali Babá e Al Capone: uns anjinhos.

          16/09/2014
          Quem já ouviu falar de ladrões do calibre de Barrabás até aos Dalton, de Bonnie e Clyde até Albert Spaggieri, sem esquecer os caseiros Zé dos Telhados e Oliveira e Costa, pensava ter visto tudo na vida e dificilmente seria surpreendido com novas histórias dos amigos do alheio. Assim seria se não tivesse esquecido que isto é um viveiro de artistas do gamanço capazes de fazer corar os mais lendários gatunos da história da ladroagem.
          Aqui vai mais uma história que nos assenta como uma luva. “Era uma vez um país que poderia ser o nosso, governado por um governo bicéfalo que nos caiu do céu aos trambolhões, fruto das melhores escolas internacionais da gatunagem, suficientemente traquejado na arte da roubalheira.
          Protegido por um Presidente da República, mais preocupado com a pose da sua Maria e com o descanso dos guerreiros jubilados do (BPN) “Bom Paraíso Nacional”, amigos dos velhos tempos quando as “boas ações” dobravam como a chouriças da minha avó, antes de serem penduradas ao fumeiro como foram penduradas as “ações más” do BES. “Boa Estratégia a Saquear”.
          Esclarecedoras são as declarações do Ex-administrador Godinho Matos, que diz ter recebido 2400 € por cada reunião sem nunca abrir a boca, e que sabia tanto de bancos como de calceteiro. Se lhe acrescentarmos o “Dono Disto Tudo” e a lista de calceteiros envolvidos na dança de cadeiras entre o BEStial e Governos desde 1976, e o BESta em que se transformou com a bênção dos sentinelas, Presidentes da R, Governadores do BP e Comissões de MVM.
          Aqui vai o rol dos “ca(l)ceteiros” de serviço. “Lopes Raimundo, Proença de Carvalho, Cristóvão Moreira, Rui Vilar, Almerindo Marques, Silveira Godinho, Rui Carp, Alexandre Pinto, Mário Adegas, Ernâni Lopes, Murteira Nabo, Rui Machete, António Mexia, Maria Bustorff, Miguel Frasquilho, Maria de Belém, Luís Macedo, Epifânio da Franca, Horta e Costa, Manuel Lencastre, Manuel Pinho, Bernardo Trindade, Rita Barrosa, Pedro Gonçalves, Leonardo Matias, Jaime Gama, Moreira Rato sem contar a carrada de deputados como Mota Pinto e outros destacados consultores como o (cherne) Durão Barroso”. O trio agora destacado para escrever o último capítulo é formado por Bento, Rato e Mota, destacados artistas da pista de dança pela sua mobilidade e fidelidade ao dono.
          A exemplo do que fazem os caminheiros de S. Tiago com o tratamento dos calos e a escolha das sapatilhas, tudo foi preparado ao pormenor para que a caminhada não encravasse a meio do percurso. Era indispensável limpar o terreno com o despacho de Marinho Pinto para Bruxelas, a fim minimizar o alarido caseiro, enquanto o BE anda entretido a colar os cacos, o PC nas manifestações da CGTP e o PS fora de combate até dividir a pera a meio.
          Para evitar falsos julgamentos, foi necessário também imobilizar a justiça com o encerramento de vários tribunais para acabar de entulhar os restantes com despachos de providências cautelares de professores e sindicatos, sendo o restante tempo ocupado a despachar sentenças dos pilha-galinhas, que enquanto há ovos no ninho e galinhas na capoeira, temos que fazer pela vida para não morrer à míngua antes que eles comam tudo e não deixem nada. Convém não ser apanhados, para não pagar a caução máxima que nos limpa o salário mínimo, ao contrário dos pilha-fortunas que calculam a coisa por grosso e atacado. Quando lhe pedem a caução de três milhões, já tem trezentos ao fresco por causa da mosca varejeira.
          Faltava só esperar pelo momento certo, com o Zé-povinho entretido a curtir o querido mês de agosto nos bailaricos da paróquia. Cumpridas todas as formalidades, estava o caminho aberto para dar início à colheita que foi executada com rapidez e sem espinhas.
          Em Setembro de 2013 a “situação” do (BES) “Boa Estratégia a Saquear” não era segredo para nenhum dos protagonistas em campo. Em 30 de Abril de 2014, as ações do BES valiam 1, 44 euros e o banco valia 5.127 mil milhões de euros.
          Sabendo da existência de “problemas”, nem Governo nem Presidente da República se opuseram a que em 15/05/2014 o Governador do Banco de Portugal e a CMVM autorizassem o pedido do aumento de capital de 1.045 mil milhões de euros, certamente para aumentar a colheita prevista e convencer os acionistas que tudo corria as mil maravilhas.
          Em 15/05/2014 o BES apresentou lucro de 576 milões de euros. Em 27/05 iniciou a subscrição do aumento de capital até 09/06/2014. Terminado o aumento de capital com sucesso, o BES passou a valer 6.085 mil milhões de euros. Em 14/07/2014 com uma maquia apreciável entrou em cena o trio destacado pelo governo, tomou conta do livro de cheques, pagou aos amigos que lhe apeteceu e em 30/07/2014 o banco já tinha um prejuízo de 3.577 mil milhões de euros. Porém, as notícias continuavam a ser animadoras com (ventríloquo) o Governador do Banco de Portugal a usar a credibilidade da instituição para ler a cartilha no teleponto a fim de manter unidos acionistas e investidores na caminhada até ao cadafalso.
          A CMVM continuava a assobiar para o lado com as informações que eram dadas aos amigos para despachar as ações a fim de descapitalizar o banco, e se possível caçar os sem-abrigo de informação a comprar ações para fazerem o negócio da sua vida. Entretanto a PT e a Goldman Sachs retiravam os seus investimentos.
          Por um triz que a estratégia não ia pela água abaixo. Sexta-feira, com o fim-de-semana à porta, os mercados quase a fechar e os amigos que confiaram nos representantes institucionais a partiram em weekend descansados, enquanto o BEStial moribundo continuava a estrebuchar, até que a quadrilha pôs a carne toda no assador, fez mais uns contactos, e em menos de dez minutos as ações caíram 40% para o valor de doze cêntimos, atirando o capital de 6.085 mil milhões para menos de 650 milhões, transformando o BEStial em BESta sem condições de conservar a licença de banco, que no preciso momento foi atirado para a liquidação.
          Em 01/08/2014, entramos então no primeiro fim-de-semana preenchido por conselhos de ministros (veraneantes), desde a Manta-rota até Curral-de-moinas para limar as arestas e comemorar o êxito da operação.
          Na segunda-feira dia 4 do querido mês de agosto, acordamos com um BEStial falido e um “novo” BESta teso a precisar de ser capitalizado com 4.500 mil milhões do “povo-Troika”, mais 400 milhões do “povo-FRC”, Fundo de Resolução do Banco.
          Dada a minha ignara condição, sei que não tenho condições para contestar tecnicamente as opiniões dessa gente. Porém, depois de anos-a-fio a “virar frangos” e outros tantos a observar estes cromos, permito-me afirmar com segurança que os neurónios dessa tralha são mesmo lixo. Diria mesmo, esterco que a Moody’s escolheu para batizar o recém-nascido. Assistiremos agora ao assalto dos meios de comunicação para nos convencer dos benefícios desta operação. “Muito obrigado”.
          Assim termina mais uma história do gangsterismo inter-Nacional. É certo que roubos existem em todo o mundo, com a diferença de nesse mundo o povo meter os ladrões na cadeia ao contrário deste outro mundo em que o povo os deixa à solta a dar lições de moral, antes de serem promovidos a “Donos Disto Tudo” por ignorantes culpados pelos “Danos de Tudo Isto”. Em comparação com esta malta, Ali Babá e Al Capone eram uns anjinhos.
                                                                        

domingo, 3 de agosto de 2014

O prato do dia e da noite

01/08/2014                                            

          Não sou mestre de culinária nem sei enfeitar a travessa, apenas ando de olho na ementa dos cozinheiros da nação, para não comer gato por lebre acompanhado da sobremesa que diariamente é propagada pela comunicação anti-social ao serviço do dono, magistralmente pintada no quadro de Paula rego, “Salazar a vomitar a Pátria”.
          A ousadia de citar a artista e sua colorida obra, num quadro tão negro e deprimente como o que vivemos, obriga-me a pedir desculpa pela ignorância de quem não sabe distinguir o mural “Guernica” de um anjo Gabriel pintado na tabuleta de uma campa do cemitério paroquial, porem foi a melhor descrição que encontrei para descrever o prato que ainda continuamos a consumir com prazo de validade avariado.
          Muitos parasitas da culinária informativa, politica e financeira, formam um triângulo que nunca se movimenta por impulsos de liberdade, igualdade e fraternidade. De vez enquanto descem ao rés-do-chão, com o objetivo de manter o povo desunido que mais facilmente será vencido, criando intrigas entre pais e filhos, avós e netos, maridos e esposas, funcionários públicos e privados, aplicando a tradicional cartilha de dividir para melhor reinar, aumentando assim o pelotão dos dependentes do rendimento de dignidade mínima, e reforçando o batalhão do rendimento eleitoral máximo, transformando a nossa sopa dos pobres imprópria para consumo humano.
          Há tempos atrás, no turno diurno à luz do dia, o (PS) “Piquete de Salvação” aterrou aflito com notável falta de ar em socorro do (BCP) “Bom Comércio Partidário”, disponibilizando para a intervenção o trio “Ferreira, Vara e Amado”, (FVA) “Fraco Valor Acrescentado” assim denominados depois de concluída a operação.
          Agora no turno noturno pela calada da noite à luz da EDP, com idêntica prontidão e igual aflição respiratória, aterrou o (PSD) “Piquete de Salvação Destemida”, em socorro da (sagrada) família (BES) “Benemérita Esperança Sagrada” disponibilizando para a operação a brigada de serviço (BRM) “Bento, Rato e Mota”.
          Mota, destacado quadro ativo do piquete de intervenção, e ilustre deputado da nação com responsabilidades nos serviços de informação do estado, foi sacrificado com o cargo de Presidente do Conselho Estratégico e “Chairman”, um género de sentinela da caserna para vigiar o paiol das munições.
          Rato, que ainda hoje não sabemos por qual buraco terá entrado, depois de uns tempos a estagiar no ministério das finanças a roer a dívida pública que vem-Deu ao novo patrão, para na melhor ocasião devolver às origens com juros e língua de três palmos.
          Bento, ilustríssimo economista e conselheiro de estado, amigo do amigo Cavaco e reserva especial de Coelho, previamente engarrafada para servir nestas grandes ocasiões depois de esgotado o meio-seco Gaspar e a seca Maria Albuquerque. Enfim, tudo gente refinada da alta finança, selecionada (nos viveiros geniais) entre dez milhões de almas ingénuas, e orgulhosas de mais uma peregrinação ao campo santo onde jaz o (BPN), “Bom Povo Nacional” para rezar-lhe pela alma.
          Sabemos o sofrimento que passam estes génios (da manigância), para conseguir a chuva no naval e o lugar ao sol na eira o ano todo. Esta malta, quando termina a licenciatura (de preferência ao domingo pela fresquinha) e se apresenta ao mercado de trabalho é escorraçada pelas empresas em geral, restando-lhe apenas a via única do funil para ingressar no penoso caminho do caciquismo paroquial, distrital e nacional, antes de conseguir alcançar a tão desejada selva povoada de “Boys e Vacas”, para aprender o equilíbrio de manter-se encima da árvore com a técnica do macaco que só larga o ramo da mão esquerda quando o da mão direita estiver bem agarrado. Depois de conseguida a lição de equilíbrio na lei da selva, os recém-licenciados “dominicais”, tem agora tacho garantido na pantanosa selva do povo.
          Tudo que vemos, lemos e ouvimos na comunicação anti-social está ao serviço desta cacicada, dos bancos e demais grupos económicos, para intimidar-nos, incriminar-nos e relegar-nos à prateleira da inexistência, criando um ruido de superfície que abafa os verdadeiros problemas de fundo onde vivemos espezinhados, enxovalhados e ainda culpados pela falta de emprego, de salário, e pela desgraça que o país atravessa, acusados de gastar mais de que devemos, e de viver acima das nossas possibilidades, porque fomos ao Jumbo comprar um sofá e um chapéu de palha mexicano na ultima excursão paroquial a Fátima.
          É claro que com estes vícios despesistas, resta-nos emigrar para evitar a penhora do sombrero, do sofá e da casota do boby, fiel companheiro que vai compartilhar a nossa próxima morada debaixo da ponte, longe do conforto do monarca D. Duarte Pio reformado desde o dia em que nasceu, tal como tantos Republicanos que também o são desde o dia que tomaram assento nas cadeiras da assembleia do povo, para servir de cães-de-guarda dos pobrezinhos que de vez enquanto por amnesia aguda, se esquecem em declarar cinco milhões de euros ao IRS.
          No célebre quadro pintado a cores, “Salazar vomita a Pátria”, no quadro pintado a preto e  branco em que vivemos, ainda permanecem as regurgitações de uma pátria Salazarenta, que tal como na altura ainda me obriga a ver e ouvir sempre a mesma porcaria, com notícias e comentários por encomenda, seguidos de entretenimentos primários, enjoativos e fastidiosos de uma culinária mediática que aplica a receita forçada do come-em-casa, enchidos e entalados, entradas e sobremesas, com shows de sanita e concursos de bidé para enfeitar a mesa e disfarçar o sabor do prato único do dia e da noite.
          Finalmente de quem é a culpa? Se analisarmos a coisa desapaixonadamente devemos reconhecer que a culpa é nossa. Chegamos a um tal ponto de decomposição cívica, que só encontraremos comparação em Vítor Frankenstein a criar monstros que não sabemos controlar.
          Foi apenas um sonho. Uma noite de inverno sonhei que o povo me tinha confiado a guarda dos governantes. Aquilo era uma espécie de governantes com comportamento de um rebanho de cabras soltas no meio de um campo de vinha totalmente destruída.
          “Passado alguns dias continuavam a abrir a boca com a mesma facilidade, mas era notório a melhoria e o cuidado com que a fechavam para não trincar a língua. Os governantes que tinham sido eleitos para governar e tentassem servir-se do povo como escadote para saltar para o lado da vida airosa, só tinham duas saídas: voltar para a casa de onde vinham ou passar pela casa do endireita para concertar a meia dúzia de costelas partidas, que era a taxa mínima garantida que se aplicava aos oportunistas e aos aldrabões. Passado um mês a fila de candidatos desapareceu e ninguém queria ser governante, foi necessário decretar (como na tropa) a governação obrigatória onde o recruta-governante tinha de respeitar as tropas e governar a caserna com exemplar dignidade. O tempo passava ao ritmo que o país melhorava. Havia lugar para todos. O dinheiro sobrava, não havia desempregados, esfomeados, maltratados, abandonados, espezinhados, enteados nem aldrabões excomungados. Apenas havia filhos de quem a pátria se orgulhava, protegia e respeitava. As cabras da vinha transformaram-se em governantes, e a vinha das cabras num país de sonho”.
          Abri os olhos, queria voltar a sonhar mas continuei no pesadelo. O país de sonho continua a vinha das cabras, os governantes continuam as cabras da vinha, e o povo continua sem uvas e a beber vinho feito a martelo.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Um velho retrato


17/06/2014
          Felizardos da vida, vivíamos todos em comunidade, as vacas (magras) viviam em baixo, separadas da malta pelo sobrado de madeira, eram tempos de ásperos recursos em que a necessidade aguçava o engenho e assim se resolvia a falta de aquecimento central e ambientador artificial, substituído pelo ecológico ambientador e aquecimento natural.
          O chão da cozinha era ladrilhado a perpianho deitado, a cheminé de campana aberta abrigava a família e servia de fumeiro para chouriços e presuntos curar ao calor do lume da lareira. A robusta parede de pedra dobrada tinha vários nichos embutidos. O nicho do fundo servia de borralheira e de aposentos para o cão e o gato nas noites frias de inverno; no da esquerda morava o cântaro de barro da água e demais utensílios da cozinha; o do lado oposto servia de armário e de mesa de jantar quando abria a porta na horizontal sustentada por duas dobradiças e uma estaca de madeira. A mísula saliente da parede suportava uma estatueta de pau de Nossa Sª de Fátima, maneta sem braços que foram queimados pela proximidade da chama da candeia a petróleo que iluminava o forno de pedra atrás da masseira onde a avó amassava o pão com a lengalenga: ”Assim se amassa / assim se peneira / assim se vira / o pão na masseira”.
          As camas eram de colchões de palha com pulgas. Em relação às pulgas, nos anos oitenta, um escritor estrangeiro por não entender o aumento da natalidade daquele tempo escreveu: “a culpa é dos pobres que tem um vigor sexual desregulado, e andam a procriar mais do que podem alimentar”. O senhor escritor não sabia que a culpa era das pulgas! Nesse tempo o casal passava a noite toda um encima do outro alternadamente. Enquanto o de cima descansava, o de baixo mexia o cú para fugir das picadas das pulgas que parecia uma bailarina no Harém das mil e uma noites. Agora para inverter a tendência, deveriam os casais comprar colchões de palha com pulgas para ver se a coisa funciona, a não ser que a coisa tenha sofrido uma trombose e nem as pulgas consigam dar-lhe sinais de vida.
          Manhã cedinho, os cornos a bater no sobrado acordavam a família para anunciar a hora do pequeno-almoço. Para as vacas a copa de palha, para os vaqueiros a tigela de água d‘unto com pão de milho, uma pechincha para o colesterol que na altura andava sem morada certa.
          O jantar era de três sardinhas, uma para o pai e as restantes a dividir pela família, acompanhadas da tigela de caldo com farinha e do potinho de vinho quente com açúcar para aquecer o colete antes de ir deitar. Quando a avó começava a rezar o terço era hora de o genro ir fazer companhia às pulgas. Os outros rezavam até adormecer enquanto a avó terminava a reza sozinha a pedir ao criador que nos livrasse das labaredas do inferno.
          As noites de fiada eram noites de festa, ninguém rezava, até as pulgas dormiam sozinhas. As vacas pernoitavam ao relento para ceder os aposentos às fiadeiras, que depois de estrumados com tojo novo para cobrir a bosta, eram equipados com bancos de madeira compridos encostados à parede onde elas se sentavam de roca à cinta engalanada com uma pelota de lã, estriga de linho apertada pelo naipe e fuso onde nascia a maçaroca. O espaço livre entre duas fiadeiras assinalava que a moça da esquerda (salvo-seja) era namoradeira.
          Bonitas, de rosa à orelha, asseadas de blusas brancas ou coloridas e saias de folhos com racha apertada na cinta com um colchete. Umas morenaças-do-caraças em contraste com a velha parede e a lanterna pendurada na trave de carvalho, pareciam um jardim de flores.
          Os rapazes previamente convidados só podiam entrar na fiada quando elas começavam a cantar, o que faziam divinamente sem acompanhamento instrumental como agora se usa para encobrir a voz de cana-rachada.
          De todo o lado chegavam grupos rivais. Era obrigatório cumprir as regras para que a coisa não desafina-se. O “Apaga-a-vela”, a nossa mascote não era flor que se cheire. Logo que podia atropelava todas as regras, sem olhar como nem na presença de quem, começava logo a gritar; “vamos rapaziada, galinha que canta quer galo”, o que deitava logo por terra todo o romantismo da coisa.
          Porém tudo lhe era permitido em troca dos serviços que prestava. Quando chegava a nossa vez de sentar ao lado da namoradeira, tratava logo de apagar a lanterna a petróleo soprando discretamente numa cana de foguete furada, que nos permitia com alguma prática e muita safadeza desapertar o colchete e abrir a racha da saia que transformava aquele momento escuro na mais clara recordação da nossa vida.
          Andei a aperfeiçoar técnica da cana furada desde a noite que a avó me levou à fiada e me sentou no feno dentro da manjedoura, um género de camarote presidencial do Moulin Rouge para me proteger de ser atropelado pelos adultos.
          Ainda hoje sinto arrepios na espinha ao lembrar o silêncio na corte quando o Timias entrou. Um sujeito de baixa estatura não superior a três garrafões de cinco litros de pé, com um cavaquinho ao tiracolo pendurado numa guita de foguete, a cantar: “Não há dinheiro que pague / a filha do lavrador / anda ao sol e á chuva / fica sempre da mesma cor” - “Quem me dera ser o linho / que vós na roca fiais / quem me dera tantos beijos / como vós au linho-dais”. Finda a dedicatória dirigiu-se à manjedoura, pendurou-me o cavaquinho ao peito e foi namorar.
          Da manjedoura vi com estes dois que a terra ade comer, uma cana furada que apagou a lanterna de petróleo, provocando a escuridão que me iluminou para sempre o caminho do colchete da saia com racha.
          Depois dessas memoráveis noites nada mais a declarar. As saias de colchete fechadas com racha foram substituídas por rachas abertas sem saia e sem colchete. Foi-se a adrenalina, nem o rastejar na lama da fronteira para dar o salto debaixo de fogo cruzado entre carabineiros e guardas-fiscais fizeram despertar a adrenalina da racha. Era o início de uma seca de vida alicerçada em padrões de banalidade, monótona e bastante aborrecente.
          Agora no meio deste turbilhão de preguiçosos e de ladrões, de rascas e de enrascados, de indignados e de “grandoleiros” desafinados, resta-me a recordação de um velho retrato. Um verdadeiro “Chef-d’oeuvre” do fotógrafo da minha terra, que me equipou a rigor antes de imortalizar o acto para memória futura, com o peito que sobrava de uma camisa que em tempos idos era branca, uma fina gravata preta pendurada num elástico ao resto do colarinho, um pulôver xadrez a preto e branco aberto nas costas que ajustava ao cabedal do cliente com uma mola de prender a roupa, antes de cuspir três vezes num pente desdentado em osso torrado que sacou de uma fenda da parede para dar o último retoque no penteado. Com o dedo em riste apontado para objetiva, ordenava: “Olha o passarinho; Hoje vais tirar o retrato da tua vida”.
          O velho retrato é o elo de ligação com o paladar da meia sardinha, o cavaquinho do Timias, o caldo de farinha, a tigela de água d´unto, o forno e a masseira da avó, o colchete da racha da saia e o feno da manjedoura vazia, escola de onde saltei para a arena da vida sem medo de enfrentar o bicho de caras, ao contrário de muitos “copinhos de leite” que saltam da recheada manjedoura universitária e nem para rabejadores servem.
          Aos aspirantes rabejadores, desejo que o Pai Natal lhes ponha no sapatinho um colchão-de-palha com pulgas. Se não lhe pegam de caras, peguem-lhe de cernelha para mostrar ao mundo que, “ assim se amassa / assim se peneira / assim se vira /o pão na masseira”. O colchete da saia, a saia de racha, as pulgas da palha; Que saudades!