sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

A maldição das Troikas


         
          Sem tempo para respirar nem para colar os cacos deixados pela Troika dos ricos que tinha tudo e queria mais, eis o milagre das rosas com a Troika dos depenados que não tem nada e quer tudo, liderada por alguém que odeia quem ganha por “poucochinho”, adora quem perde por “muitochinho”, e acha que com “trafulhices e rasteiras” pode governar um país e um povo, medindo os dois pela bitola dos da sua laia.
          Pobre classe média. Mercadoria e escravatura dos tempos modernos, outra vez entalada entre pobres e ricos, a rezar pelo Marquês de Pombal, para a libertar do garrote asfixiante que a levará até ao cadafalso.
          Faz lembrar-me um casal com filhos, uns, ajudam os pais, outros, criticam tudo, dão lições de moral a toda a família como se deve gastar, sem saber por onde lhe pegar para ganhar e poder pagar, esbanjando tudo nos copos, até á destruição da família e do património familiar.
          Só quem anda distraído poderá ficar surpreendido com o espetáculo deprimente a que assistimos. Desta geração de políticos dificilmente se poderia esperar melhor. É só retorica de ataque e defesa, de resto nada mais.
          Sendo católico praticante de vez-enquanto, prometo ao Pai-do-Céu, neste momento miserável, um sermão e missa cantada com mais de dez padres, para agradecer o milagre de neste interregno de “Desgovernação”, nos libertar desta canga, e varrer de uma ponta à outra, com este saco de gatos assanhados, mandando-os alimentar-se ao caixote, lá onde eles e as agências de rating colocaram um dos Países mais tranquilos do mundo: LIXO.
          Há dias li o comentário de um leitor, relacionado com o artigo de um jornal Espanhol que dizia: ”Portugal, aquele País maravilhoso arrisca-se de ser governado por um político sem escrúpulos”. Lembrei-me logo de uma antiga fiada na freguesia vizinha, onde os anfitriões não acharam graça nenhuma de nos ver a querer contar a história da carochinha às suas mossas. O Meia Leca que por razões obvias só valia por metade, viu que a coisa ia descambar para o torto e que o “futuro” estava do outro lado, foi completar a meia dúzia dos cinco (rivais) e meio, obrigando-nos aos dois colegas a aguentar a parada, e decidir por unanimidade a prudente decisão de dar à sola em retirada apressada, iluminados pelo luar, que na fuga nos dava pelas costas a projetar a nossa sombra lá para a frente, com o meu colega a gritar: “ foge pá que esses gajos são uns gigantes do c…lho”.
           Já em terreno mais acolhedor, esperamos de escopeta apontada, carregada com cartuchos a cacos de pote. Os gigantes não vieram saborear os cacos. Porem, não consegui demover o colega, que fez questão de esperar o (cobarde) Meia Leca, para aquecer-lhe o pelo e atirá-lo em pelota à corga. Isto traduzido em linguagem-chá, é o mesmo que mimar o amigo com o mesmo miminho que nos deseja, atirando-o ao riacho tal como Deus o atirou ao mundo, antes acender uma fogueira com a roupa para espalhar o frio de uma espera tão longa e gelada.
          Será a maldição das Troikas? Nunca pensei chegar à idade que cheguei para ficar órfão de quase tudo aquilo que mais admirava. Na política vê-se por aí uns “Gringos” que casam por conveniência, cujo projeto de vida se limita à divisão do valor das prendas, sem outro horizonte nem outro futuro para os filhos e para o dia de amanhã.
          Outros, com postura mais bondosa e mais “cool”, saltam logo para uma “menage-a-trois” com quatro, a curtir mais uns momentos “bacanas no ripanço”, deixando o abastecimento da manjedoura ao critério da parolada, e o mundo nas mãos de Deus para que tenha mão nele já que é fruto da sua invenção.
          O mesmo é dizer, que votar neste tipo de gente é saltar no desconhecido, e certificar-como-bom aquilo que mais se deve condenar no comportamento de alguém ao longo da vida. Cobardia e deslealdade.
          Isto não vai pelo bom caminho e não se vislumbram abertas nem melhorias para os próximos tempos. Muita juventude pensa que a vida é um filme, e que um governo é um jardim-de-infância mas não é. Só deveria poder governar quem aprendeu algo na vida, e que em final de carreira colocasse aquilo que aprendeu ao serviço da comunidade. Que mais- valia traz um “rapazote”, que em casa precisa dos pais para lhe assoar o nariz, que em vez de pegar no pau do cabo da picareta para trabalhar, pega no pau da bandeira partidária para sentar-se à mesa do Orçamento do Estado a lambuzar à custa da miséria do povo? Depois queixamo-nos da desgraçada vida que temos.
          A ideia que a vida é um filme é o disparate de um povo que adora olhar para a lua através da sargeta dos esgotos onde vive. Em vez de limpar a porcaria que tem à volta, prefere sonhar que pode sair dali com azinhas ou que o Pai Natal e o governo os virão desenterrar.
          Sei que nós Portugueses, quando nascemos, nascemos sempre para ser grandes. Mas por esta ou por aquela razão, nunca passamos de pequeninos e a culpa nunca é nossa. A culpa é da crise, dos mercados, da Europa, do azar, do governo, da oposição, da falta de subsídios, das cunhas, dos políticos, dos capitalistas e dos chupistas, do sol e do frio ou até dos “c…ões do padre Inácio”. O mundo parece conjugar contra esta espécie predestinada a ter um lugar ao sol, mas que a p.ta da vida teima em deixar ao relento sem nunca percebermos pela alma de quem.
          Nunca mais entendemos, que o mais normal é que existe sempre alguém melhor do que nós, a querer mais do que aquilo que queremos, o que é para nós uma grande chatice. Quando era pequeno também queria ser padre, embora hoje reconheça que seria uma desgraça, com a agravante de agora não poder desabafar com o filtro do costume. Parece porém uma “lapalissada” dizer, que quem é bom chega sempre lá, e quem não o é fica com o que há. Resumindo e concluindo, cada um tem aquilo que merece.
           Se a vida fosse um filme e cada um fizesse o que lhe apetece, não existiriam homens do lixo, contínuos nas escolas, manicuras, cangalheiros, caixas de supermercado, estafetas, padeiros e porteiros, pedreiros nem carpinteiros. Enfim, tudo profissões com as quais ninguém sonha mas sem as quais não conseguimos viver. Muitos não terminaram a escola obrigatória. Mas são muito mais inteligentes, espertos e felizes, que toda essa carrada de amestrados que mete dó a arrastar penosamente a alma pelas ruas da amargura.
          O sonho só se da bem com os poetas. Quanto ao resto, é o acordar que importa para ver que há sempre alguém melhor, e não ter medo de fazer outra coisa, mesmo se isso implica fazer algo contra aquilo que estudamos, e receber um terço daquilo que sonhamos. Cada um é pago por aquilo que vale, na verdade quando começamos valemos muito pouco. Um canudo no bolso, só serve para iludir na política, de resto a vida não deixa de ser o que é.
          Diz o povo que sonhar não custa, razão pela qual não vale a pena sonhar. As empresas borrifam-se para os sonhos dos aspirantes a doutores. O povo deverá evitar problemas, borrifando-se para os aspirantes à mama da mesa do orçamento do estado. Há que fazer-lhe baixar a crista, vestir-lhe o fato de macaco e mandá-los trabalhar.
          Os jovens que admiro, são os que procuram trabalho, e que deixam essa coisa rara do emprego para os apaniguados e para paus mandados. Os jovens que trabalham são o nosso futuro. Depois de resolver a vidinha familiar colocarão ao serviço da comunidade o que aprenderam ao longo da vida. Os mamões são a nossa desgraça.
          Para os aspirantes à mama, e para os mamões no ativo, aconselho a teoria do meu colega. Aquecer-lhes o pelo e atirá-los à corga em pelota, e acender uma fogueira com a roupa para espalhar o frio que nos fazem passar.
          Acabou a era dos governos Caloteiros e presidentes Politiqueiros. Entrou a dos Sendeiros e dos Trauliteiros.
          Assim nunca mais é sábado, nem a Troika nos desampara a loja.

sábado, 3 de outubro de 2015

Os Políticos presos e os Oliveiras da Figueira

          
       Estamos f…dos. (“feridos”, para evitar maliciosas interpretações). Desde o tempo em que os presos políticos semeavam a admiração do povo, que andamos perdidos a calcorrear o caminho das pedras e da degradação política, até cair no abismo dos políticos presos, que semeiam vergonha nos calabouços deste povo pouco protegido contra as vigarices dos propagandistas do TinTin, transformados em “Oliveiras da Figueira” a vender guarda-chuvas no deserto tal como vendem a própria areia que atiram aos olhos do povo.
          Estava escrito que algum dia seriamos os primeiros. Mesmo se miseravelmente representados ao mais baixo nível na governação administrativa e ao mais alto nível na prisão preventiva com a nata do melhor que existe na ladroeira nacional. Não interessa saber qual dos governantes (se) governa melhor, se o aldrabão com mandato de legislatura, se o ladrão com mandado de captura.
          Com tanta propaganda não é portanto de admirar que a profissão de vigarista tenha ultrapassado em larga escala a de polícia e bombeiro no rol de preferências da miudagem que acorre em magotes aos cursos de carteiristas e afins. Todos sabemos que há por aí uma data de “profissões” que vão desde o Jotinha-cacique à menina-do-trottoir que nada ganham com a ciência dos livros porque vivem basicamente da ratice e experiência acumulada.
          Os candidatos a vigaristas devem imperativamente esquecer a escola e seguir à risca o curso de formação acelerada, trocando o cheiro do estrume da província pelo cheiro da cera da capital para encerar o cartão de filiação partidária que servirá de passe-partout para abrir a porta da universidade e do curso desejado, seguindo as pisadas dos seus ídolos já famosos-formados em gatunagem-especializada que facilmente são localizados mas raramente julgados e condenados.
          O problema para estes futuros amigos do alheio, é que a malta para além de outras vacinas, também já está vacinada com meia vida a trabalhar para o boneco, e começa a tê-los (no sítio) na mira prevendo-lhes para os próximos tempos perigosas tempestades na travessia do deserto, de onde só por milagre escaparão vivos para continuar a provocar tão devastadoras calamidades ambientais.
          É que isto de usar o povo como escadote para saltar para o outro lado da vida airosa acabou, os medíocres que ainda planeiam o projeto de vida nestas habilidades bacocas tem pela frente um futuro pouco promissor. O povo anda farto de ver a vida arruinada por causa desta sacanagem que um dia terá de acabar. Porém, penso que só quando a justiça começar a ler sentenças à vergastada pelas orelhas-abaixo é que estes maldiçoados perderão o vício de xuxar na xuxa e da roubalheira descarada que destrói o país.
          O último debate na assembleia da república sobre o estado da nação, foi de longe o mais elucidativo e sincero a que já assisti desde os longínquos tempos do 25 de abril. Até-que-enfim, os partidos do arco do poder redimiram-se e por milagre em vez de meter a mão no bolso da malta, meteram-na na consciência para se avaliar mutuamente perante o povo, dos tristes resultados de quarenta anos de democracia.
          Era difícil ser mais assertivos. O antigo governo comparou o atual com os sete pecados capitais. “A ganância e a preguiça”, com o desemprego e o aumento de impostos. “A gula e a inveja”, com a asfixia da classe média e as mentiras eleitorais etc. O atual governo comparou o “próximo” com as dez pragas do Egipto. “A peste que mata os animais e as rãs que cobrem a terra”, com os PEC da desgraça e as PPP. “Os piolhos que atormentam os homens e os primogénitos que morrem”, com os cortes nos salários da função pública e o endividamento, etc.
          Parece-me porém que estes pecados e pragas originais são brandos em comparação com os contrafeitos-gananciais que esta gente amaldiçoou o país.
Com estas milagrosas conversões da obra e graça do Espirito-Santo, falta saber se a malta não teria tudo a ganhar trocando o caminho das pedras pelo Sagrado-Caminho-da-Salvação fugindo deles como o diabo foge da cruz.
          Fico sempre de pé-atrás com católicos-da-treta que citam a bíblia sem saber benzer-se, cuja doutrina é de acreditar na força do capital que decreta o Paraíso no além para os pobres e no aquém para os ricos.
          Servem-se da Bíblia-Sagrada para passar a mensagem da promissão e da punição que seduz milhares de seres normais que tem contas a acertar com o todo-poderoso Pai-do-Céu e com a toda-poderosa Banca-da-Terra, usando as mensagens do Criador como arsenais de balizamento cultural e controlo social. Para esses católicos é o Deus-do-Capital que elege os dignos e os desgraçados da face divina e dos benificiários do leite e do mel.
          São estas pecadoras pragas que aclamam por uma poderosa televisão no lugar de uma poderosa religião, para não ter de ajoelhar e rezar em vez de investir na propaganda da narcodiversidade do haxixe e do canábis para cultivar o ópio-do-povo que acaba por entregar a carteira e a vida nas mãos destes quadrúpedes, pondo-se a jeito e à mercê dos coices desta democracia de políticos presos e ladrões, que advogam o despojamento das sandálias apostólicas acabando presos no ouro e no incenso dos seus compromissos falhados. Ataram uma corda ao pescoço de dignidade politica, agora que lhe rezem pela alma.
          Estes, discípulos com pés de barro que preferem ajoelhar perante a Goldman-Sachs para ganhar força e poder oferecer à cristandade a canonização do cristão “Cristiano”, o apóstolo da era moderna que vai a caminho dos altares pelas graças que derramou e milagres que operou ao transformar a irmã carpideira de funerais em cantadeira de tabernas e arraiais.
          Enfim: católicos profetas da desgraça com graça, verdadeiros empresários da opinião pública que nos chamam a depositar confiança e esperança na sua palavra e gestos de proximidade, envoltos em fraseados cativantes alinhavados de paroles para entreter parolos. O que pensamos desta gente é sobejamente conhecido, só faltava saber o que eles pensam de si próprios. Finalmente o que pensam não é diferente do que pensamos e foi magistralmente declarado na assembleia da república no último debate do estado da nação.
          PS para o PSD: “Tu és pior que os sete pecados capitais”. “A gula / ganância / luxúria / ira / inveja / preguiça / e soberba”.
          PSD para o PS: “E tu és pior que as pragas do Egipto”. “A água que se transforma em sangue / rãs que cobrem a terra / piolhos que atormentam os seres vivos / moscas que escurecem o ar / peste que mata os animais / pústulas que cobrem os homens / chuva de granizo destruidora / nuvens de gafanhotos / escuridão que tapa o sol três dias / e primogénitos que morrem”.
          São estas personagens que há quarenta anos transformaram a Lusitânia no “Khemed” do deserto e os Lusitanos nos “Beduínos” que pagam tudo inclusive a areia que tem debaixo dos pés. Finalmente somos uns  pilha-galinhas, bodes expiatórios destes pilha-fortunas cobertos pelo manto protetor do cordeiro de Deus que protege os “Oliveiras da Figueira” saídos das histórias do TinTin (antes de ir ver o sol) aos quadradinhos.
          Nós crucificados na cruz com estes ladrões, resta-nos rezar pela alma a proferir as últimas frases de Cristo pregado na cruz.“Pai, perdoai-os porque eles não sabem o que fazem”.“ESTÁ CONSUMADO”.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

As valências da desgarrada

            03/09/20015

          Diz o povo (pelo menos por estas bandas) que, “a população menos acanhada é aquela que mais canta à desgarrada”, ao contrário dos copinhos não sei de quê, que não assobiam nem cantam, querem agradar a todos e desagradam a toda a gente, não falam, não escrevem, nem saem de cima, até parece que tem medo de morrer de fome se o dono lhes corta a palha da ração.
          Por isso sempre desconfiei das “virgens ofendidas” que em criança nunca atiraram uma pedrada aos vidros da janela do vizinho, que nunca desmontaram a corda do relógio-de-bolso do avô, que nunca colocaram pioneses na cadeira do padre e do professor, para não falar dos dias de aulas passadas aos grilos e às grilas em vez de ir aturar o mau-humor do professor que teve de jejuar e passar a noite a dormir no pátio da porta com o Bobby.
          Eu que sempre fui um gajo com requisitos e padrões de verticalidade-perpendicular-comportamental normalíssima nessas andanças, a quem nunca passou pela cabeça que existe uma idade-padrão para fazer asneiras, jurei que desta vez continuaria malhar o ferro, trocando as habituais fontes de informação para ir ver onde param as modas no meio do calor do povo como eu.
          Usei então o remanescente da inspiração para convencer a patroa de poder baldar-me à trela e curtir uma noitada de verão a solo nos festivais, arraias e demais materiais á solta que andam por aí. E se a noite não der para mais nada, pelo menos que dê para refrescar a mente e limpar a vista a contemplar os deslumbrantes pilares desses monumentos vivos verdadeiros patrimónios da humanidade.
          Benzi-me umas vinte vezes ao longo da viagem a pedir ao Criador para que tudo desse certo com a arriscada estratégia de ter reinventado o funeral de um amigo do Porto que Deus lá tem há meia dúzia de anos. A patroa achou bem, apadrinhou a atitude solidaria sublinhando que os amigos são para sempre. Preparou-me o fato que pendurou no cabide do banco traseiro do carro.
          Chegado à invicta, (terra do falecido) comecei por reconfortar o “dorido” no típico “Mal Cozinhado” com uns pastelinhos de bacalhau e arroz de feijão, sentado à mesinha redonda ali mesmo em frente ao pegão dos dois arcos em granito, a ouvir o encanto do fado vadio interpretado pela encantadora fadista Rosinda Maria, ela acompanhada à guitarra e eu à garrafinha de tinto do fundão fresquinha para me arrancar das unhas do inferno quotidiano e elevar-me até ao paraíso, pelo menos enquanto fazia a trasfega da garrafinha para o vasilhame e a Rosinda não dobrava o xaile para dar por terminada a sua atuação.
          Continuei a digressão paradisíaco na “Tendinha dos Clérigos”, farol vigilante das velhas faenas, para saborear mais três copas ao som de um saudoso e divinal “Rok-And-Roll” antes de iniciar o regresso na companhia de um jovem casal que pediu boleia até um lugarejo perdido perto de Vila-Verde.
          Já com as coordenadas todas a caminho da “Terra”, foi (ali) perto de Arcos-de Valdevez que fui atraído pelo toque da concertina e do cantar à desgarrada. Senti o fluxo sanguino acelerar com o pulsar do verdadeiro calor do povo de que gosto, ou não tivesse eu crescido a ouvir o “Delfim, o Marinho, o Sargaceira, o Cachadinha”, e a dar tareia-brava na avó (salvo-seja) a cantar à desgarrada à volta da lareira nas longas noites de inverno.
          Uma enorme multidão rodeava um grupo de artistas com três tocadores e outros tantos cantadores. Para não perder pitada do espetáculo subi as escadas da casa-da-mesa e sentei-me no pátio de pedra ao lado da senhora Rosqueira a quem pedi para me atar meia dúzia de roscas num cordelinho a fim de reequilibrar a queda do açúcar provocado pelo desgaste da longa viagem entre o além do Fado e do Rok-And-Roll, e o aquém da desgarrada e do açafate das roscas.
          Foi quase no tempo dos descontos que encontrei o que procurava nas sábias palavras da sabedoria popular. Num pedaço de toalha-de-papel gentilmente disponibilizada pela doce senhora anjo-da-guarda da minha glicemia que comecei a escrever esta cronica.
          Ao toque da concertina que até dava arrepios na espinha, entrava o primeiro cantador a desafiar o segundo e terceiro. Portugal está tão sombrio, por andar mal governado, por um governo vadio, que só rapa pró seu lado”. Respondia o segundo para o primeiro e terceiro. “Quem tem governos quem tem, governos de quem fiar, quem tem governos tem sorte, quem não os tem, tem azar”. O terceiro para o segundo e primeiro. “Com muitos que tu passeias, têm cuidado não te iludas, mostram-te boa figura, mas são falsos como Judas”. E assim continua a desgarrada. “É uma camaradagem, nos copos são tão fingidos, quando falta o dinheiro, também faltam os amigos”. “Ao recordar o passado, olhando agora o presente, como isto está mudado, com tanta coisa diferente”. “Dizem que é evolução, finalmente é uma miséria, há mais vigaristas e ladrões, do que gente humilde e séria”. “Meus amigos hoje-em-dia, há vários tipos de ladrões, uns roubam pouca valia, outros roubam aos milhões”. “O ladrão que é mal trapido, coitado rouba em segredo, mas o ladrão bem vestido, rouba à vista e sem medo”. “Há quem roube pra comer, já não tem outra opção, se rouba pra sobreviver, isso não é ser ladrão”. ”Ladrão é ter o poder, sem qualquer dedicação, quando rouba tem prazer, e faz disso profissão”. “Hoje em dia há ladroagem, em bandos e batalhões, sorriem noutra linguagem, com segundas intenções”. “Não temei os desgraçados, que roubam com certa lata, temei aqueles gatunos, de fato e de gravata”. ”Fui roubado fui roubado, protesta o povo na rua, quem houve fica assustado, e quem rouba continua”. ”E lá vão eles na vaga, a comer e passear, e aqueles que tudo pagam, só têm direito a reclamar”. ”Com tamanha epidemia, é preciso ter coragem, para enfrentar e sentir, a força da ladroagem”. ” Isto é um destrambelho, já nada nos reconforta, é sinal de alerta vermelho, com muitas trancas na porta”.
          Ainda estou a salivar com a última quadra de despedida cantada em coro pelos três magníficos artistas populares: “Foi em terras de Barroso, às cinco da madrugada, no coração de uma Aldeia, se cantou à desgarrada”.
          Já o sol ia alto com a gente sair da missa quando cheguei a casa, a patroa à minha espera com ar de quem quer passar a mão no pelo. “Olha-me só para isto, coitadinho tão triste e cansadinho de tanto chorar pelo amigo que em 2009 acompanhamos até à sua última morada no Cemitério do Prado do Repouso na freguesia do Bonfim: finalmente amigo que é amigo, mesmo sepultado é amigo para sempre”, concluiu.
          “Caíram-me ao chão”. Não me lembrava do eterno amigo, sem perder a compostura, ainda manietado com a corda toda da desgarrada, puxei dos galões e respondi-lhe em quadra para enquadrar este quadro mal encaixilhado: “Por tudo que já passei, já pouco ou nada me assusta, na próxima vez vais tu, para saberes quanto custa”.
          E eu a pensar que andava sozinho a pregar no deserto. É do Minho para o mundo que vai o exemplo: “a gente menos acanhada é a que mais canta à desgarrada”.
          Não vou perder mais tempo para fazer pele vida. “Pedro-Paulo e Costa, são os três da vigairada, se não trancamos as portas, comem tudo não deixam nada”. “São os três da vigairada, disso tenho a certeza, são pior que o Viagra, deixam toda a malta tesa”.