quinta-feira, 1 de março de 2012

A vida é bela.

01/03/2012
                Um amigo, que não dava sinais de vida há algum tempo, vestido de preto, parecia um avô no regresso dum funeral. De pé, encostado ao balcão do bar, tentava fintar o estômago fora de horas. Após os cumprimentos da praxe, e o cordial envio de saudações para a família, disse que era empresário. Encolhi os ombros, o amigo achou bizarra a minha reacção. Era uma actividade de onde eu já vinha, (farto de manter gandulos), com a testosterona pelas ruas da amargura!
Era verão, um calor abrasivo, o amigo tremia como se de um rigoroso inverno se tratasse. Tinha saído de casa pelas seis e pico da manhã, depois de descansar algumas horas, para cumprir os compromissos salariais com os empregados, subsídios de férias, Segurança Social, IVA, rendas, empréstimos, e por último dar apoio a família, que já não via há três dias e três noites, apesar de viverem juntos cobertos pelo mesmo telhado. Ingenuamente, sem outras intenções respondi: A vida é bela! Quem tal palavra deu, se o arrependimento mata-se, por esta hora o que seria da minha vida. Como por arte mágica, o amigo parou de tremer, começou a transpirar, acabou-se-lhe a pressa, convidou-me para a mesa, e lá vai disto! É bem verdade, aqui se fazem, aqui se pagam, nunca pensei que a mesa dum bar, serviria de púlpito para um sermão e missa cantada, que até os santinhos atam as mãos à cabeça.
De voz cabeluda, visivelmente irritado, começou a debitar. “A vida é bela para o Catroga (raia graúda), que nos fez a cama com programas eleitorais e privatizações governamentais, que não discute “pentelhos” como os 485€ do salário mínimo nacional, para discutir á luz da E D P Chinesa, farfalhudas “pentelheiras” salariais de 2.500€ diários, 55.000€ mensais e 650.000€ anuais á custa do povo. Um povo que está na miséria e deixa passar estas trafulhices, é um povo moribundo que não presta, não merece nada, nem a dignidade justificativa da sua existência”. “A vida é bela para a (raia miúda) “gentalha”, que serve de sustento e de serapilheira do poder político, que se gaba de usufruir do rendimento mínimo à pala dos que não tem rendimento nenhum, que dormem a sesta na hora do calor, para depois de coçar os “tintins”, ir passear pela rua de proa levantada, armados em cucos e donos da herdade, à custa de burros como eu, que andam o dia todo com cara de cu à paisana, para que eles não passem necessidades”. “A vida é bela, para os que andam por aí, a picar-lhe a cevada na barriga, sem hora marcada para dar a “pelotada”, com a única preocupação de afiar o corta palha, antes de sentar-se à mesa para abrasar a caldeira”. “A vida é bela, para os que tem o tempo do mundo para abrir buracos, enquanto outros burros tapam os buracos cavados pelos governantes, coveiros das nossas sepulturas”. “A vida é bela, para quem não tem preocupações com os salários dos empregados, com a renda da casa, com os empréstimos, com o IMI, com declarações de IRS, IRC e com os transportes dos filhos, refeições, com o material didáctico escolar, e que ainda lhes sobra tempo para ir á feira da ladra, negociar o Magalhães para comprar tabaco”. “A vida é bela, para quem tem as instituições de solidariedade a angariar alimentos doados pelos que pagam impostos, para lhos levar a casa e nem sequer terem a chatice de os ir buscar”. “A vida é bela, para os que fazem biscates quando lhe apetece, ao preço que lhe apetece, enquanto nós, “Lusitanos de Lei”, com cara de vitela agoniada, perdemos o emprego, ficamos a ver os “canigâncias de afecto” a poupar no papel higiénico, porque o olho traseiro dessa malta, até já aprendeu a ler de tanto ver facturas”. “A vida é bela, para quem se preocupa apenas no final do mês, com a vinda do carteiro para receber o rendimento em metal sonante para o qual tanto trabalhou”. “A vida é bela, para os doentes da espinha dorsal, aleijados da coluna vertebral, que os leva à paralisia total, paralíticos, órfãos de referências e de valores, cuja verticalidade vai oscilando segundo a oportunidade, e a necessidade de recorrer à caridade, aniquilando irremediavelmente a competitividade e a rentabilidade. No rol desses empenados, lideram destacados, as espécies rastejantes, de Boys e Girls, à frente da lepra e da tuberculosa, da sida e da febre aftosa, e da praga dos gafanhotos”. “ A Vida é medonha, para a classe média que se vai desagregando na imbecilidade e na inércia, que se deixou entalar entre a “fé e as fezes”, pobres pecadores que arrastam a cruz até ao calvário, onde serão crucificados (no meio dos ladrões), com cravos (já) enferrujados, que os levarão à agonia. Só que desta vez, não haverá pai do céu para perdoar esses (ladrões), que sabem perfeitamente aquilo que fazem.”
Um curto silêncio, senti a mão do meu amigo encima do ombro. Ele viu o meu olhar no vazio e perguntou! Onde estas? Tinha recuado até Maio de 68 nos Campos Elísios em Paris, a ver ruas barricadas, calçadas arrancadas, montras espatifadas, casas queimadas, linhas férreas enferrujadas e prateleiras das lojas depenadas.
Tal como (Dany le rouge) Daniel Cohn-Bendit viu, os nossos jovens terão de ver que o rolo compressor não vai cessar de lhes esmagar o futuro.
Nunca poderá reescrever-se a história. Porém, não andará muito longe a narrativa do próximo capítulo. Quem sabe se o Maio de 68 Francês, terá início no Maio de 2012 Português?
Faço votos que esta peregrinação do mês de Maria, tenha inicio no mês de Março, para pagar a promessa à Sr.ª de Fátima, que nos livre desta maldição,
Reconheço, que da minha geração não saiu grande espingarda: cresceu amordaçada, só abriu a boca quando o velho de Santa Comba decidiu cair da cadeira. Depois do 25 de Abril foi sempre embarretada, de boina na mão, cobarde, inculta, analfabeta, subsidio-dependente, e catalogada de Geração Rasca. Os filhos, herdeiros dos piores tiques, formados em cursos das novas oportunidades, transformadas em oportunidades perdidas, servem apenas para falsear as estatísticas do milhão e meio de desempregados, com os horizontes tapados, catalogados de Geração à Rasca. Com tanta “rasquice”, os nossos netos só poderão ser catalogados de Geração Desenrascada.
Numa das fontes do meu blogue (nortadasdominho), acabei de ler uma ficha de revisões de um aluno do 7º ano, que lhe foi pedido para indicar a diferença entre, Solução e Dissolução, que o “puto” de 12 anos resolveu assim: “Colocar um político português num tanque de ácido sulfúrico é uma dissolução! Colocar todos é uma solução! Se liofilizar, teremos o mais puro extracto de merda do Mundo!”
Com estes nacos de sabedoria, fico animado e sinto que um futuro melhor vem a caminho. Os netos podem contar com (alguns) avós para correr com “governanças” feitas a partir da jaula dos macacos, e para que os políticos que empurram o povo para a miséria, sejam castigados nos tribunais e não só nas urnas eleitorais, premiando os políticos de pá e pica para construir o futuro das próximas gerações, erradicando do horizonte o “lodo dos sanguessugas”, que só pensam nas próximas eleições.
Enquanto eles dançam o tango, nós continuamos de tanga. Pode Bento XVI recomendar para que,”sigamos o caminho da pobreza e da obediência”. O caminho da pobreza já vai longo, o da obediência acabou. Quando quem manda perde a vergonha, quem obedece perde o respeito…Netos ao poder! Já…