domingo, 14 de fevereiro de 2016

“Quem me quer não quero eu”


          A situação dos refugiados recorda-me a frase do Sr. Avelino, (quem eu quero não me quer, quem me quer não quero eu), que regressou do Brasil mais teso que pau de galinheiro, mas satisfeito porque não emigrou para fazer fortuna mas para ganhar a senhoria que o arrancasse do lote de um Avelino qualquer.
          A frase era repetidamente badalada quando a conversa encalhava no seu enlace matrimonial. O “Sr.” tinha várias pretendentes ao cargo, mas quando se lhe apresentava uma das que, “quem me quer não quero eu”, fazia questão de fazer-lhe a prova do algodão que terminava sempre num berbicacho por culpa da falta de eletricidade e de água corrente, e ainda o bônus do fumo da lareira que levou a senhoria do Sr. Avelino a findar a vida solteiro com a frase e o saquinho do algodão pendurado na cabeceira da cama.
          Tal como o Sr. falecido, os refugiados também fizeram a prova do algodão ao nosso País, agora com eletricidade, água corrente e o bonos do ar climatizado, o nosso querido País continuaria solteiro com o triste resultado de o algodão ficar mais sujo que o chapéu de um pobre à moda antiga com tanta porcaria que anda por aí.
          Já nem se consegue realçar aquilo que temos de bom. Um dia um colega estrangeiro quis saber o nome de um prato típico da nossa gastronomia. Sugeri-lhe o bacalhau, (palavra que nunca conseguiu pronunciar corretamente) e para descrever-lhe o tipo do produto com a mão a ondular como quem vai a nadar, lá consegui transmitir-lhe que se tratava de um peixe. O colega foi comprar uma folha de “bacalau”, e só no dia seguinte quando vi que o homem deitava lume pela boca e que os pipos da cerveja não conseguiam apagar as lavaredas, me lembrei de ter esquecido de o alertar para por o (bacalau) a demolhar pelo menos durante um dia. Quando depois convidei o amigo para visitar o meu País, respondeu que nem com uma corporação de bombeiros à perna cá poria os pés.
          Outra vez, quando orgulhosamente mostrava Portugal no mapa a uma colega, (também estrangeira) respondeu-me que aquilo parecia um campo de futebol e que se o Eusébio marca-se um canto com mais força teria de comprar barbatanas para ir buscar a bola au mar, ou então teria de tirar o passaporte para ir busca-la à Espanha.
          Mas como não há duas-sem-três, depois de uma vida a virar frangos por aí, consegui encontrar um país com um povo igualzinho ao nosso. Nos dias de festa todos levavam uma galinha viva que atiravam aos crocodilos do pântano antes de, entusiasticamente começar a aplaudir e cantar. O chefe lá do sítio viu que não tínhamos galinha, ofereceu uma à minha colega, que menos bondosa com a bicharada, tratou de meter-lhe a cabeça debaixo da asa para a adormecer antes de enfia-la sorrateiramente na bolsa da velha mota (com dois selins de molas e matricula no guarda-lamas da frente) que tínhamos alugado para as nossas deslocações. Os crocodilos f….am-se, e nós saboreamos naquela noite o melhor arroz de cabidela que me lembre desde que sou gente.
          A única diferença entre lá e cá, é que isto é muito mais pantanoso, com a tradicional capoeira substituída pelo aviário para dar vasão a tanta procura, com tanta gente que prefere bater palmas à bicharada que saborear o delicioso arroz de cabidela.
          É por isso que os refugiados terão recusado a nossa bondosa hospitalidade, com receio de também serem confundidos com demais aves do mau agoiro para alimentar os predadores do pântano.
          O mundo é demasiado pequeno, e os refugiados sabem de ginjeira que não conseguimos sair do “lixo”, que somos tratados de piegas e de burros que puxam a carroça por tudo quanto é sítio no mundo. Eles sabem que os nossos governantes andam há meio século a mostrar o que valem, e que na verdade mostraram valer muito pouco. Apenas tem mostrado habilidade para convencer os amnésicos de sempre a procurar a côdea no ninho da casota do cão, sabendo de antemão que no lugar da côdea vão encontrar as pulgas que o Bobby lá esqueceu.
          Os refugiados dão um exemplo de coragem a esta espécie de gado manso que pasta toda a erva que lhe põe pela frente. Preferem morrer debaixo das bombas do (seu) Oriente, que naufragar no lodo do pântano do (nosso) Ocidente onde presente e futuro se afogam para sempre.
          Eles sabem que um País cheio de idosos a morrer abandonados, outros a morrer nos corredores (da morte) dos hospitais, reformados e crianças a passar fome, é um país que não serve de exemplo nem de asilo para ninguém, a não ser para os entusiastas seguidores dos crocodilos do pântano.
          Os refugiados sabem que esta malta tem estômago para tudo, até para caçar os €6000 de ajuda comunitária (por cada) para depois os abandonar à sua sorte.
          Quem no seu perfeito juízo escolhe um país onde a palavra de honra é letra morta? Um país onde quem perde eleições governa, e quem ganha é governado? Onde se transmite aos jovens os míseros exemplos que para conseguir na vida é preciso rasteirar os amigos e praticar trafulhices para lá chegar? Os nossos governantes são o rosto desse triste exemplo.
          Os refugiados sabem que esta gente já não consegue dissimular a falsidade com que geneticamente vive. Até sabem que já substituímos as comemorações do dia da liberdade e da implantação da república para comemorar os aniversários das saídas de políticos corruptos dos calabouços. Vergonhas que cavalgaram fronteiras e que destruíram a credibilidade do nosso País. Agora rezemos-lhe pela alma.
          “Um dia, num futuro que não vem longe, uma estranha frota de velhos navios corroídos pelo tempo e pelo uso parte do golfo de Bengala e ruma em direção à Europa. Traz a bordo um milhão de estropiados, os esfomeados dos “países subdesenvolvidos”, que, cansados da miséria, resolvem bater às portas do paraíso do homem branco”. Assim foi feita a apresentação do livro, “Mortos/Duzentos milhões/Todos nós”, de Jean Raspail, que parecendo uma obra de ficção é sobretudo uma obra de antecipação não exatamente científica.
          A velha frota de navios corroídos pelo tempo ainda não largou as amarras do golfe de Bengala. É do mar egeu que os velhos navios corroídos pelo tempo largaram amarras com centenas de milhares de famintos e estropiados que o paraíso do homem branco intencionalmente estropiou.
          Nada acontece ao acaso. A Europa fabricou famintos para legitimar a velha tradição terceiro-mundista de levar galinhas à festa para alimentar os predadores do pântano e para mostrar ao inobediente homem branco que é proibido apreciar o arroz de cabidela.
          Finalmente é preferível morrer solteiro, que viver o resto da vida entulhado na porcaria. Sábia frase do Sr. Avelino. “Quem eu quero não me quer, quem me quer não quero eu”.